quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Ônibus 29: Parada obrigatória



Oi motorista. Cumprimento-o, porém meus olhos permanecem fixos ao lado que vejo do lado fora.
Oi, minha filha. Apreciando a vista? Perguntou-me. Sou voz era tão mansa, acolhedora diria.
— Estou. Que lugar bonito.
Verdade. Passo por aqui todos os dias, mas não canso de olhar.
Seguro-me no ferro de apoio ao passar por uma curva fechada, e decido sentar-me no primeiro banco que está vazio.
Sabe dizer se falta muito para chegarmos ao destino?
Vou fazer a primeira parada agora. Depois, bem... Ponderou. — O tempo da viagem é uma questão de perspectiva.

Meu coração se apressa em saltar dentro do peito ao ver a parada de ônibus se aproximando. Todos os passageiros se aprontam e descer para esticar as pernas, beber água ou usar o banheiro, menos eu. Após a última pessoa deixar o veículo, pego minhas coisas e desço, querendo realmente algo quente para comer e beber. O vento gelado da estação me recepciona, deixando meu corpo em arrepios. Fecho o zíper do meu casaco e entro na pequena loja de conveniências. O calor de seu interior contrasta com a temperatura de fora, e posso até dizer que sentiria um leve abafamento em alguns minutos.

Sento-me sozinha próxima ao balcão principal. Folheio o cardápio e vejo que nada é comum aos meus hábitos alimentares. Cada nome, cada ingrediente é tão estranho, que diria estar sentada em uma lanchonete de outro país. Peço um café com açúcar e leite e opto pelo que está na vitrine giratória que se assemelha a um croissant.
Uma golada.
Sinto o café descer quente pela garganta. Que sensação prazerosa!

O atendente sorri a me ver fechar os olhos e me deleitar sobre um simples café com leite. Um senhor de meia idade, simpático e com olhar meigo.
Outra golada, dessa vez acompanhada de uma mordida generosa no salgado aparentemente morno.
— Queijo... Sussurro feliz por não me surpreender com recheios exóticos. O senhor começa a limpar o balcão, sem deixar de me observar comendo. — Como eu amo queijo. Falei.
— Eu sei. Disse o senhor.
— Como você sabe? Perguntei assustada. — Eu não disse nada antes.
— Sei tudo sobre você, minha filha.
— Desculpe, mas não entendi.

Ele sorri e se afasta e segue até a cozinha. Olho em volta e percebo que outras pessoas parecem tão felizes quanto eu ao saborear seus pratos. Eles fecham os olhos e mordem avidamente seus sanduiches ou apressam-se a terminar suas porções e caldos. Termino meu lanche, levanto e vou ao banheiro. O perfume que me recepciona indica a limpeza do lugar, algo inusitado para uma parada de ônibus. Lavo o rosto e as mãos após usar o banheiro e volto ao salão principal.
Estranheza.
O local vazio me assusta. 
Olha em volta e não vejo ninguém, como se não estivesse cheio há poucos minutos atrás. Saio pela porta de vidro em busca do Ônibus 29, e confirmo minhas suspeitas.
Fui deixada para trás.

(Continua)


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